O autor americano Robert Greene compartilhou conosco um trecho sobre a obra de Santiago Calatrava de seu recém-lançado livro Mastery .
Vivemos em um mundo com uma triste separação que começou há cerca de 500 anos, quando artes e ciências foram divididas. Cientistas e tecnicistas vivem em seus mundos, focando principalmente no "como" das coisas. Outros vivem em um mundo de aparências, usando essas coisas, mas não entendendo realmente como elas funcionam. Pouco antes dessa divisão ocorrer, era o ideal da Renascença combinar essas duas formas de conhecimento. É por isso que a obra de Leonardo da Vinci continua a fascinar-nos, e a Renascença continua a ser um ideal.
Então, por que Santiago Calatrava, agora um dos arquitetos mais conhecidos do mundo, decide voltar para a escola em 1975 por um diploma de engenharia civil após afirmar-se como um arquiteto jovem e promissor?
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Em uma idade muito precoce, Santiago Calatrava desenvolveu um amor pelo desenho. Ele carregava seus lápis onde quer que fosse. Um certo paradoxo em desenho começou a obcecá-lo. Em Valência, Espanha, onde cresceu, a forte luz solar do Mediterrâneo adicionava um forte contraste nas coisas que gostava de desenhar - rochas, árvores, prédios, pessoas. Seus contornos, lentamente suavizam-se ao longo do dia. Nada do que desenhava era realmente estático; pois tudo está em um estado de mudança e movimento, que é a essência da vida. Como ele poderia capturar esse movimento no papel, em uma imagem perfeitamente imóvel?
Teve aulas e aprendeu técnicas para a criar várias ilusões para representar algo em meio ao movimento, mas nunca foi o bastante. Como parte dessa busca impossível ele aprendeu sozinho aspectos da matemática, como a geometria descritiva, que poderia ajudá-lo a entender como representar seus objetos em duas dimensões. Sua habilidade melhorou e seu interesse no assunto se aprofundou. Parecia que estava destinado a uma carreira como artista, e assim, em 1969, matriculou-se na escola de arte em Valência.
Poucos meses em seus estudos, ele teve uma experiência aparentemente insignificante que mudaria o curso de sua vida. Ao procurar por suprimentos em uma papelaria, seu olhar foi atraído para um livreto descrevendo a obra do grande arquiteto Le Corbusier. De alguma forma, este arquiteto conseguia criar formas completamente distintas. Transformava algo tão simples como uma escada em uma peça dinâmica de escultura. Os edifícios que projetou pareciam desafiar a gravidade, criando uma sensação de movimento em suas formas fixas. Estudando este livro, Calatrava desenvolveu uma nova obsessão - aprender o segredo de como tais edifícios surgiram. Assim que pôde, transferiu-se para uma escola de Arquitetura em Valência.
Ao formar-se em 1973, Calatrava tinha ganho uma sólida formação no assunto. Havia aprendido todas as regras e princípios mais importantes de projeto. Ele era mais do que capaz de tomar o seu lugar em algum escritório de arquitetura e seguir seu caminho. Mas ele sentiu que algo elementar estava faltando em seu conhecimento. Ao olhar para todas as grandes obras de arquitetura que ele mais admirava - o Panteão de Roma, os edifícios de Gaudí em Barcelona, as pontes desenhados por Robert Maillart na Suíça, ele não tinha uma ideia sólida sobre, propriamente, suas construções. Ele sabia mais do que o suficiente sobre as suas formas, a sua estética, e como elas funcionavam como edifícios públicos, mas não sabia nada sobre como elas eram levantadas, como as peças se encaixam, como os edifícios de Le Corbusier conseguiam criar essa impressão de movimento e dinamismo.
Era como saber como desenhar um belo pássaro, mas não compreender como ele podia voar. Como com o desenho, ele queria ir além da superfície, elemento do projeto e toque sobre a realidade. Ele sentiu que o mundo estava mudando, havia algo no ar. Com os avanços da tecnologia e novos materiais, possibilidades revolucionárias surgiram para um novo tipo de arquitetura. Mas para realmente explorá-la, era preciso aprender alguma coisa sobre engenharia. Pensando nessa direção, Calatrava tomou uma fatídica decisão, iria praticamente começar de novo e se inscrever no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, para obter um diploma em engenharia civil. Seria um processo árduo, mas ele iria treinar para pensar e desenhar como um engenheiro. Sabendo como os edifícios foram construídos, isso iria libertá-lo e dar-lhe ideias sobre como expandir lentamente os limites do que pode ser feito.
Nos primeiros anos ateve-se aos rigores da engenharia - toda a matemática e física exigidas para o campo. Mas, como ele progrediu, se viu voltando ao paradoxo de que ele tinha sido obcecado com a infância - como expressar na arquitetura movimento e mudança. Na arquitetura, a regra principal era de que os edifícios precisam ser estáveis e estacionários. Calatrava sentiu o desejo de quebrar esta convenção rígida. Para sua tese de doutorado, decidiu explorar as possibilidades de trazer o movimento real na arquitetura. Inspirado pela NASA e seus projetos para as viagens espaciais, bem como as asas de aves dobráveis desenhadas por Leonardo da Vinci, Calatrava escolheu como tema a dobragem de estruturas, ou seja, como, através de estruturas de engenharia avançada, elas poderiam mover-se e transformar-se.
Completando sua dissertação em 1981, ele finalmente entrou no mundo de trabalho, depois de 14 anos de um aprendizado universitário em arte, arquitetura e engenharia. Nos próximos anos, iria experimentar na concepção de novos tipos de portas dobráveis, janelas e telhados que se movem e abrem de novas maneiras, alterando a forma do edifício. Projetou uma ponte levadiça em Buenos Aires, que se movia externamente, em vez de para cima. Em 1996, levou tudo isso um passo adiante com seu projeto e construção de uma extensão para o Museu de Arte de Milwaukee. O projeto consistia em um longo corredor de recepção de vidro e aço, com um pé direito de 24 metros, totalmente sombreado por uma enorme proteção solar móvel na cobertura. Este elemento de sombreamento possui dois painéis com nervuras, que abre e fecha como as asas de uma gaivota gigante, colocando todo o edifício em movimento, e dando a sensação de um edifício que poderia levantar vôo.
Nós, os seres humanos vivemos em dois mundos. Primeiro, há o mundo exterior das aparências - todas as formas de coisas que cativam os nossos olhos. Mas escondido do nosso ponto de vista há outro mundo, como essas coisas realmente funcionam, suas anatomias ou composições, as partes trabalhando em conjunto e formando o todo. Este segundo mundo não é tão imediatamente cativante. É mais difícil de entender. Não é uma coisa visível a olho, mas somente na mente que vislumbra a realidade. Mas este "como" das coisas é apenas poético uma vez que o entendemos - ele contém o segredo da vida, de como as coisas se movem e mudam.
Esta divisão entre o "como" e "o que" pode ser aplicada a quase tudo que nos cerca - vemos a máquina, não como ela funciona; vemos um grupo de pessoas produzindo algo como um negócio, não como o grupo é estruturado ou a forma como os produtos são fabricados e distribuídos. (De forma semelhante, tendemos a ser hipnotizados pelas aparências das pessoas, não a psicologia por trás do que elas fazem ou dizem.) Como Calatrava descobriu, na superação desta divisão, ao combinar o "como" e o "o quê" da arquitetura, obteve um conhecimento mais profundo, ou melhor, mais abrangente do campo. Compreendeu uma parcela maior da realidade que é conceber edifícios. Isto permitiu-lhe criar algo infinitamente mais poético, para esticar as fronteiras e romper as convenções da própria arquitetura.
Como Calatrava intuiu, esta deve ser uma parte do nosso aprendizado. Devemos estudar o mais profundamente possível as tecnologias que usamos, o funcionamento do grupo que trabalhamos, a economia do nosso campo, sua força vital. Devemos constantemente questionar - como é que as coisas funcionam, como as decisões são tomadas, como o grupo interage? Abrangendo nosso conhecimento desta forma, teremos uma sensibilidade maior da realidade e aumentaremos o poder de alterá-la.